INTRODUÇÃO
A Federação Internacional das Associações de
Atletismos (IAAF) define as corridas de rua como provas de pedestrianismo
disputadas em circuitos de rua com distâncias oficiais variando de 5 km a 100
km (MACHADO, 2011). Comparada com a maioria dos exercícios e das atividades
esportivas, a corrida é uma atividade altamente versátil, pois pode ser feita
em uma ampla variedade de ambientes, fechados ou abertos, em pista ou terrenos
irregulares, em subida, no mesmo nível ou em descida, no calor do verão ou no frio
do inverno, durante o dia ou à noite (FUZIKI, 2012). Além de ser um gesto motor
aprendido nos primeiros anos de vida, não é necessário material específico
muito sofisticado (GUEDES JR., 2011).
De acordo com Machado (2011) hoje as corridas de
rua são bem populares em todo o mundo, sendo praticadas em sua maioria por
atletas amadores que buscam uma melhor qualidade de vida por meio da prática
esportiva. Apesar de todos os efeitos benéficos da pratica de corrida, tem-se
observado uma elevada incidência de lesões no aparelho locomotor, sobretudo em
membros inferiores (PILEGGI et al., 2010). Essa alta incidência pode ser
explicada pela falta de orientação profissional para a prática da corrida e que
esses corredores possam estar treinando de forma equivocada pela falta de
acompanhamento de um profissional especializado. Em suma, embora correr seja
aparentemente fácil, deve-se ter o conhecimento aprofundado das várias
especificidades envolvidas na prática desse esporte (FUZIKI, 2012).
De acordo com Bennell e Crossley (1996), a
realização de exercícios de maneira exaustiva, sem orientação ou de forma
inadequada, pode contribuir para o aumento de lesões esportivas e estas estão
ligadas a fatores intrínsecos e extrínsecos. Os fatores extrínsecos são aqueles
que direta ou indiretamente estão ligados à preparação ou à prática da corrida
e envolvem erros de planejamento e execução do treinamento. Já os fatores
intrínsecos, que são aqueles inerentes ao organismo e incluem anormalidades
biomecânicas e anatômicas, flexibilidade, histórico de lesões, características
antropométricas, densidade óssea, composição corpórea e condicionamento
cardiovascular (FERREIRA et al., 2012).
Segundo Schmidt e Bankoff (2011), atletas que
treinam e competem em corridas de longa distância, geram e acumulam elevadas
taxas de pressão na região plantar, as quais se propagam para o restante do
corpo. Como as práticas semanais e mensais dessa atividade são altas e
repetitivas, podem gerar distribuição inadequada da pressão na superfície
plantar levando a deformações e comprometimentos morfofisiológicos no sistema
locomotor, em especial nos membros inferiores (SCHMIDT e BANKOFF, 2011).
Partindo desta premissa, o objetivo principal deste trabalho é revisar os
estudos que apontam as principais lesões em corredores de rua.
Material e métodos
Foi realizada uma busca em banco de dados para
identificar artigos científicos. Esta busca foi realizada nos seguintes bancos
de dados: Lilacs, Scielo e PEDro. Os artigos selecionados foram submetidos aos
seguintes critérios de inclusão: estudos que explanassem sobre lesão em
corredores de rua, pesquisas de campo, estudos que apontassem os tipos de lesão
e os que estavam disponíveis completo. Foram combinadas as seguintes palavras-
chave: lesões e corredores, running injury nos idiomas português e inglês.
Como critérios de exclusão foram considerados os
estudos de revisão de literatura, estudos que não faziam associação de
corredores de rua com lesão, artigos que apontavam apenas local anatômico da
lesão e artigos que somente estavam disponíveis em resumos.
Assim, foram selecionados 7 artigos com texto
completo e alguns livros especializados no assunto para fundamentação neste
estudo.
Resultados
O total de artigos encontrados foi de 65 e após a aplicação dos
critérios de inclusão e exclusão foram selecionados 29 artigos para o presente
estudo, dos quais apenas 7 estavam disponíveis com texto completo. A figura 1
apresenta o fluxograma do processo completo de inclusão dos artigos no estudo.
Figura 1. Fluxograma do processo de inclusão dos artigos na revisão
bibliográfica
A tabela I
apresenta a extração de dados realizada para cada artigo que apresentou dados
de levantamento de lesões em corredores de rua (estudos transversais,
restrospectivos e coorte prospectivo).
Tabela I. Descrição
e resultados dos artigos incluídos na revisão
Autor, ano
|
Tipo de estudo
|
População
|
Lesões relacionadas à corrida
|
% (n)
|
McKean et
al, 2006
|
Retrospectivo
|
2825 corredores de uma prova em
que cada corredor corria aproximadamente 20 km
|
Fascite plantar
|
17,5 (495)
|
Tendinopatia do tendão patelar
|
12,5 (353)
|
|||
Lesão de isquiotibiais
|
12,5 (353)
|
|||
Síndrome da banda iliotibial
|
10,5 (297)
|
|||
Tendinopatia do tendão calcâneo
|
9,5 (268)
|
|||
Entorse de tornozelo
|
9,5 (268)
|
|||
Síndrome do estresse medial da tíbia
|
9,5 (268)
|
|||
Síndrome femoropatelar
|
5,5 (156)
|
|||
Fratura por estresse
|
4,5 (127)
|
|||
Lesão meniscal
|
3,5 (99)
|
|||
Outras tendinites
|
5,0 (141)
|
|||
Fallon et al,1996
|
Transversal
|
32 ultra maratonistas
|
Síndrome femoropatelar
|
15,6 (10)
|
Tendinopatia do tendão calcâneo
|
7,8 (5)
|
|||
Tendinite do extensor dos dedos
|
7,8 (5)
|
|||
Síndrome do estresse medial da tíbia
|
7,8 (5)
|
|||
Tendinopatia do tendão patelar
|
6,3 (4)
|
|||
Dor do compartimento anterior
|
6,3 (4)
|
|||
Síndrome da banda iliotibial
|
4,7 (3)
|
|||
Lesão muscular de quadríceps
|
4,7 (3)
|
|||
Lesão muscular na coluna
|
3,1 (2)
|
|||
Tendinite de fibulares
|
3,1 (2)
|
|||
Dor no joelho não específica
|
3,1 (2)
|
|||
Bursite do trocânter maior
|
3,1 (2)
|
|||
Tendinite do extensor longo do hálux
|
3,1 (2)
|
|||
Jacobs et al, 1986
|
Retrospectivo
|
451 corredores deprova de 10 km
|
Dor no joelho
|
21,4 (45)
|
Dor no tornozelo
|
12,4 (26)
|
|||
Síndrome do estresse medial da tíbia
|
9,5 (20)
|
|||
Lesão de isquiotibiais
|
6,7 (14)
|
|||
Tendinopatia do tendão calcâneo
|
6,2 (13)
|
|||
Dor na panturrilha
|
6,2 (13)
|
|||
Fascite plantar
|
5,2 (11)
|
|||
Hutson et al, 1984
|
Transversal
|
25 ultra maratonistas
|
Tendinite dos dorsiflexores do pé
|
29,6 (8)
|
Tendinopatia do tendão calcâneo
|
18,5 (5)
|
|||
Tendinopatia do tendão patelar
|
18,5 (5)
|
|||
Bursite de quadril
|
11,1 (3)
|
|||
Síndrome do estresse medial da tíbia
|
11,1 (3)
|
|||
Síndrome femoropatelar
|
7,4 (2)
|
|||
Lesão muscular de gastrocnêmio
|
3,7 (1)
|
|||
Hespanhol Jr. et al. 2011.
|
Transversal
|
200 corredores deprovas de 10 km
|
Tendinopatia
|
17,3 (19)
|
Distensões / Ruptura Muscular
/estiramento
|
15,5 (17)
|
|||
Entorse (lesão da articulação e/ou
ligamentos)
|
13,6 (15)
|
|||
Fascite plantar
|
12,7 (14)
|
|||
Dor lombar/lombalgia/dor nas costas
|
8,2 (9)
|
|||
Lesão de meniscos ou cartilagem
|
8,2 (9)
|
|||
Fratura por estresse (sobrecarga)
|
6,4 (7)
|
|||
Outros
|
18,1 (20)
|
|||
Barbosa, 2010
|
Transversal
|
40 corredores
|
Inflamação no joelho
|
38,24 (16)
|
Canelite
|
35,30 (15)
|
|||
Estiramento muscular
|
5,88 (2)
|
|||
Inflamação de quadril
|
5,88 (2)
|
|||
Lesão calcânea
|
2,94 (1)
|
|||
Estiramento muscular (quadríceps)
|
2,94 (1)
|
|||
Tendinite do tendão de Aquiles
|
2,94 (1)
|
|||
Inflamação do púbis
|
2,94 (1)
|
|||
Fascite plantar
|
2,94 (1)
|
|||
Pileggi et al. 2010.
|
Coorte prospectivo
|
18 corredores
|
Tendinopatia do tendão patelar
|
22,7 (5)
|
Síndrome do estresse medial da tíbia
|
13,6 (3)
|
|||
Síndrome da banda iliotibial
|
9,1 (2)
|
|||
Tendinopatia do tendão calcâneo
|
9,1 (2)
|
|||
Fratura por estresse da tíbia
|
9,1 (2)
|
|||
Bursite retrocantérica
|
9,1 (2)
|
|||
Lesão muscular da panturrilha
|
4,5 (1)
|
|||
Lesão muscular do adutor da coxa
|
4,5 (1)
|
|||
Fratura por estresse da crista ilíaca
|
4,5 (1)
|
|||
Bursite infrapatelar
|
4,5 (1)
|
|||
Fascite plantar
|
4,5 (1)
|
Dos sete artigos inclusos, quatro eram transversais, dois
retrospectivos e um estudo de coorte prospectivo. Foram encontradas no total 22
lesões musculoesqueléticas relacionadas à corrida. As principais lesões
encontradas foram a tendinopatia do tendão patelar, a síndrome do estresse
medial da tíbia, a tendinopatia do tendão calcâneo, a fascite plantar, a
síndrome femoropatelar e a síndrome da banda iliotibial.
Discussão
O objetivo
desse trabalho foi fazer um levantamento das principais lesões
musculoesqueléticas relacionadas à corrida através de revisão da literatura. Os
dados obtidos mostraram que as principais lesões encontradas foram: 1) a
tendinopatia do tendão patelar, 2) síndrome do estresse medial da tíbia, 3)
tendinopatia do tendão calcâneo, 4) fascite plantar, 5) síndrome femoropatelar
e 6) síndrome da banda iliotibial.
Todas as
lesões descritas nesta revisão estão localizadas em membros inferiores, sendo que
a maioria delas estão localizadas no joelho, que está de acordo com o estudo de
(ISHIDA et al., 2013; FERREIRA et al, 2012), onde as lesões de joelho foi
a estrutura anatômica mais afetada pelas lesões, principalmente na região
anterior, com a síndrome da dor patelofemoral, síndrome da banda iliotibial,
síndrome do estresse tibial medial, fascite plantar, tendinite do calcâneo e
lesões meniscais (FUZIKI, 2012).
A prática de
atividade física tem sido cada vez mais recomendada principalmente no combater
ao sedentarismo, tão presente nos dias de hoje, existem vários programas
governamentais e incentivos na mídia para a prática de atividade física. Com
isso, houve um aumento significativo no número de pessoas que aderiram à
pratica do pedestrianismo na última década. No entanto, a prática da atividade
física realizada em altas intensidades, como é o caso da corrida de rua, podem
causar sérias lesões. Segundo Taunton et al. (2003) o aumento da intensidade,
relacionado a um incremento da velocidade na corrida, levaria a um maior valor
nas forças de reação com o solo a qual é transmitida para a estrutura funcional
do corredor (ossos, ligamentos, músculos e tendões), fazendo com que as
progressões nestas variáveis realizadas de modo incorreto, durante os treinos,
ocasionem a lesão.
As cargas
excessivas durante a atividade física são consideradas o principal estímulo
para o desenvolvimento das tendinopatias (HESPANHOL JR. et al. 2011. apud SELVANETTI et
al., 1997; Grau et al., 2008). O tendão patelar está submetido a
grandes cargas excêntricas do músculo quadríceps femoral durante todos os
passos executados durante a corrida. É uma condição autolimitante, e a dor pode
restringir os níveis de trabalho excêntrico quando a resistência é aplicada à
articulação (EVANGELISTA, 2011). O que pode explicar a alta taxa de lesão e
afastamento do esporte em corredores.
A tendinopatia
do tendão calcâneo ocorre geralmente nos praticantes de atividades de natureza
repetitiva, como é uma lesão de estrutura contrátil, a dor geralmente aumenta
com a dorsiflexão passiva e a flexão plantar contra a resistência (EVANGELISTA,
2011). Segundo Fuziki (2012) a repetição das cargas pode, a partir de certo
limite, gerar alterações estruturais no tendão, predispondo-o a sofrer lesões.
A síndrome do
estresse medial é uma queixa comum entre os praticantes de corrida. O impacto
vertical gerado durante esta atividade é aplicado repetidas vezes sobre os
membros inferiores podendo levar o corredor a desenvolver a síndrome do estresse
medial da tíbia (HESPANHOL JR. et al., 2011). É caracterizada por dor e
desconforto no terço mediodistal da tíbia, aspecto posteromedial, provocada por
uma tensão elevada no músculo tibial anterior (EVANGELISTA, 2011).
Foi
paradoxalmente descoberto que a fascite plantar está associada com o pé plano e
com o pé cavo rígido e a maior amplitude de movimento de extensão do tornozelo
(PEREIRA, 2010 apud WARREN, 1990; MESSIER & PIITALA, 1988). A
sobrecarga crônica e a irritação podem levar à formação de tecido ósseo em
resposta às foças de tração da fáscia plantar e dos músculos que se inserem na
tuberosidade do calcâneo (EVANGELISTA, 2011). Segundo Hespanhol et al (2011) a
carga gerada pela corrida aplicada repetidas vezes sobre a fascia plantar pode
explicar o fato da fascite plantar estar entre as principais lesões em
corredores.
Segundo Fuziki
(2012) a síndrome da dor patelofemoral é uma condição comum em pessoas que
participam freqüentemente de atividades físicas ou atléticas. Quando esse
equilíbrio é alterado, pode ocorrer movimentação anormal da patela
(EVANGELISTA, 2011). Estudos sobre dor patelofemoral, síndrome da fricção da
banda iliotibial e tendinite do tendão calcâneo têm demonstrado uma fraqueza
muscular do grupo lesionado em comparação ao controle (FUZIKI, 2012).
A síndrome da
banda iliotibial é uma lesão por excesso de uso (tendinite ou bursite) causada
pela fricção excessiva entre a banda iliotibial e a eminência epicondilar
femoral lateral e ocorre com maior freqüência em corredores de longa distância,
ciclistas e outros atletas que praticam atividades envolvendo flexão repetitiva
de joelho (SAFRAN et al., 2002). É a mais comum causa de dor lateral no
joelho de corredores e responde por 1,6% a 12% de todas as lesões relacionadas
à corrida (FUZIKI, 2012), que vai de encontro com as informações levantas nessa
pesquisa.
A busca dos
artigos para esta revisão não foi conduzida em todas as bases de dados
existentes, o que pode ter impedido a inclusão de algum artigo científico que
cumprisse os critérios de inclusão deste estudo. Sugerimos que novos estudos
sejam realizados para identificar quais as principais lesões ocorrem em
corredores de rua.
Considerações finais
Este trabalho
de revisão de literatura tentou identificar dentro de artigos, as principais
lesões musculoesqueléticas relacionadas à corrida de rua. E concluímos que as
principais lesões em corredores ocorreram em membros inferiores, com maior
ocorrência em região de joelho, sendo elas: tendinopatia do tendão patelar,
síndrome do estresse medial da tíbia, tendinopatia do tendão calcâneo, fascite
plantar, síndrome femoropatelar e síndrome da banda iliotibial.
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